Opinião: "As Primas" de Aurora Venturini

Que livro! Que história! Que maneira tão singular e graciosa de se falar sobre a desgraça. 

Yuna, a narradora desta história, tem dificuldades cognitivas. Escreve sem medos mas também sem pontuação, porque lhe causa muita aflição, e nós alguma dificuldade para a ler. Agarra-se ao dicionário, e utiliza palavras complicadas, mas com alguma desenvoltura. E ao longo da narrativa vamos percebendo a sua evolução através da escrito. Absolutamente genial! A palavra falada para ela, é um pesadelo, minando desde cedo todas as hipóteses de uma vida social. No entanto, Yuna revela se uma prodigiosa pintora, e a sua arte a todos conquista, colmatando aos poucos as ditas dificuldades sociais. É encantador acompanhar a evolução de Yuna. Uma personagem singular e extraordinária.

Yuna conta-nos a história da sua família, da sua irmã e das suas primas, também elas possuidoras de malformações genéticas, deficiências de vários níveis. O discurso de Yuna, que inicialmente nos choca, depois nos encanta. Ela conta-nos tudo sem pudor, com a respetiva inocência de uma jovem impúbere, sem a malícia que certas palavras só por si contêm.

A prima Petra, uma liliputiana que trabalha como prostituta desde a adolescência, ajuda-a a entender as coisas. Explica-lhe sobre a vida e a morte, sobre sexo. E Yuna entende. E toma decisões para a sua própria vida. E fala-nos com a mesma simplicidade sobre o bolo de aniversário da irmã, como da morte terrível da tia Nenê, do assassinato de um vizinho ou da violação de uma das primas. Não há meios-termos. Apenas factos. Não há espaço para a bondade, nem para reflexões demasiado profundas. Apenas a frieza da vida tal como ela é. E nisso se encontra a beleza da voz de Yuna. Nunca a voz de uma narradora deixou tão grande marca em mim. Yuna é um ser especial.

"As Primas" é um livro portentoso. Chocante. A velocidade da narrativa, quase sem pausas (porque fazem confusão a Yuna), leva-nos a correr história fora, quase sem respirar, nem acreditando no que estamos a ler, de tão assombroso que é. Adorei esta leitura. É sem dúvida um livro que recomendo e uma história que dificilmente irei esquecer.

P.S. Mas a história das primas iguala, pelo menos em singularidade, a história do livro propriamente dito. Em 2007 um jornal argentino decidiu lançar um concurso para autores latino-americanos chamado "Nueva Novela". Quinhentas obras foram submetidas, e a premiada, que submeteu "As Primas" sob o pseudónimo de Beatriz Portinari, surpreendeu todos os jurados, revelando ser uma senhora de 85 anos, com mais de 30 livros escritos ao longo da vida, sem que ninguém tivesse reconhecido o seu talento literário. Na cerimónia de entrega do prémio apenas comentou: "Por fim, um júri honesto."

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