"O Teu Rosto Será o Último" de João Ricardo Pedro


Uma das coisas que mais me fascina nos livros que leio é a forma como cada autor escreve. As impressões digitais que deixa no texto, o seu cunho pessoal que fica a pairar em redor de nós, à medida que vamos desbravando a história.
E é sempre muito mais saboroso quando tenho a oportunidade de o encontrar num texto genuinamente português.

João Ricardo Pedro é sem dúvida um autor a seguir de perto. Neste seu romance de estreia deixou-me de água na boca, e espero poder desfolhá-lo novamente, muito em breve.

A história que circunda uma família desde o tempo do Estado Novo, está organizada de uma forma algo estranha. Original sem dúvida. Interessante, talvez. Ficará ao vosso critério.
Tudo começa bem no primeiro capítulo. Mergulhamos na narrativa e deixamos a história infiltrar-se em nós. Depois, subitamente no segundo capítulo, algo estranho se passou. Será que isto afinal são contos? perguntei a mim própria. A resposta rapidamente se me assomou aos olhos. Não. Seriam talvez histórias independentes com os diversos membros daquela família. Histórias que mais tarde ou mais cedo se vão interligar, dando origem a uma bela e original manta de retalhos.

Mas, como disse no início, é a maneira como João Ricardo Pedro escreve que me arrebatou: por vezes crú, muitas vezes rude, mas maioritariamente com o desvelo de um poeta.
Deixo aqui um pequeno extrato, um exemplo de como a simplicidade na escrita é também ela uma forma de arte. E num pequeno parágrafo se descreve uma vida.

«E foi nesse preciso instante que o doutor Augusto Mendes reparou, pela primeira vez, nos olhos escuros daquela mulher, nos músculos dos braços que revolviam a terra e esfolavam os bichos e teciam os dias com uma paciência de sábios. E, a seguir, reparou nos dedos. Nos lábios. Nas ancas. E nunca mais a tratou por rapariga. Dali em diante, seria sempre Laura. A minha Laura. Laura, amanhã vamos ao Fundão e compras lá um vestido. Laura, não sejas tonta. Laura, acho que devíamos casar-nos. Laura, é um menino. Laura, vamos chamar-lhe António. Laura, temos o cão do Celestino, morto e esfolado, em cima da nossa cama. Laura, amanhã vou levá-lo ao seminário em Alcains. Laura, que disparate. Laura, só lhe custam os primeiros dias. Laura, os padres adoram-no, dizem que é muito bom na música e no latim. Laura, claro que se agarra às tuas pernas a chorar. Laura, claro que acorda à noite aos gritos a chamar pela mãe. Laura, o nosso António vai para Angola. Laura, o nosso António vai casar-se. Laura, a nossa nora parece ser boa rapariga. Laura, vamos ter um netinho. Laura, o nosso netinho vai chamar-se Duarte. Laura, o nosso Duarte. Laura, o nosso Duarte Miguel. Laura, o nosso António não me parece nada bem. Laura, o nosso António. Laura, o nosso António. Laura, Laura, Laura. Três vezes.» 
Em www.bertrand.pt

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