Há algo de especial em ler um livro que foi originalmente escrito
na nossa língua mãe. É que não há comparação, mesmo que a tradução seja muito boa. E
quando um livro está tão bem escrito como este que agora terminei, a sua
leitura é mágica, toca-nos nas terminações nervosas, e quando chegamos à última
página, sentimo-nos mais cheios, mais completos.
Não conheço o autor, e pelo que parece este é o seu primeiro
romance. Espero que encontre mais histórias dentro de si, e que continue a
escrever, dando-nos a possibilidade de o ler.
A história é simples. É a história de uma família, passada
numa aldeia perdida nos confins de uma serra no tempo do outro senhor. Mas a
forma como nos é contada… logo desde as primeiras palavras, sabemos que
transpusemos uma porta e não podemos voltar atrás. Sabemos que temos de
continuar a ler.
«Acho que vi cavalos no horizonte.»
Disse o meu pai com olhos de luz, naquele sábado tão longe dos sonhos.
Assim começa o livro.
E de imediato somos transportados para aquele lugar. À
medida que as letras desfilam perante os nossos olhos, somos embalados pelo relato
de uma vida, pela história de uma aldeia, pelo caminho que uma família que tem
de percorrer para lidar com a perda e arranjar maneira de sobreviver. E a própria história é relato
desse percurso, que nem sempre é fácil, pois um caminho cheio de pedras é sempre difícil
de percorrer. Mas o autor consegue transformar a dor em esperança, por isso este é também um relato da redescoberta da esperança, do amor.
«Que a felicidade está no amor que distribuímos e que apenas
recebemos amor para que o passamos redistribuir por aqueles que amamos. Porque
o náufrago que chega à praia sabe que a sua vida nunca mais será igual. Que há agora
um tempo diferente dentro do mundo, anos que se transformaram em instantes e
futuros que se transformaram em hoje e agora. Que os sonhos já não são feitos
de triunfos nem de dias ainda longínquos, mas sim da sensação de acreditar. Que
as estrelas à noite já não são tão discretas como dantes, mas sim os olhos do
Universo e da imensidão, pontos de luz que nos podem salvar, indicando-nos o
Norte e o Sul, o Leste e o Oeste. Que a vida já não é uma estrada sem fim, mas
antes um pequeno caminho num simples vale, entre contrafortes de grandes
montanhas. Que tem de existir amor, uma qualquer forma de amor, um pretexto de
alma que nos impulsione a partilhar. Pois o náufrago que chega à praia sabe
agora que a luz da manhã é melhor do que qualquer sonho que a noite possa ter
oferecido. Que acordar, mesmo ferido, é melhor do que morrer sem cicatrizes.
Que mesmo no deserto existem oásis que nos podem salvar. Mas que, para isso, é
preciso que tenhamos aprendido a orientar-nos pelas estrelas.»
Este livro é um hino. A uma época, à inocência e ao amor.
Espreitem a sinopse, e deixem-se envolver pela história de Edmundo,
um homem simples, que amava a sua família, e que gostava de ler. Leiam o livro
e deixem-se encantar com as palavras de um autor que escreve com o peso da alma
na ponta da caneta…
«Dizia-se na aldeia que a madrugada libertava músicos da
floresta. Que era um bosque encantado. Uma daquelas tolices que muitos
acreditam. Não obstante, a floresta era generosa. Quando as giestas acordavam,
deixava passar o sol educadamente, e este entrava nas ruelas da aldeia como se
fosse uma espécie de salvador. Ao vê-lo, as almas dos aldeões beliscavam os
corpos e diziam-lhes: «Acorda, preguiçoso, que o dia está bonito e os campos
anelam a tua presença.»
(…)
Em volta da aldeia, existiam hortas bem cuidadas e muitos
pastos penteados pelo vento, bosques adormecidos como cães velhos e uma ribeira
que não descansava, trabalhando dia e noite a levar água.»
Absolutamente maravilhoso!