Opinião: "O Acontecimento" de Annie Ernaux

Por altura do prémio Nobel da Literatura de 2022, que foi atribuído exatamente a Annie Ernaux, tive uma amiga que me falou sobre este livro. Deste então, tenho-o tido na estante, na minha interminável pilha TBR (to be read). 

No final de 2023, após ler, também por sugestão de uma amiga, um livro da primeira mulher com o Nobel da Literatura, decidi incluir nas minhas leituras mensais, um autor laureado com esse Nobel, começando obviamente pelas mulheres. (Podem ver aqui essa lista.)

Li em dezembro 2023 Selma Lagerlöf, e agora, em janeiro de 2024, chegou a vez de Annie Ermaux.

A sua escrita é realmente excecional. Ela atinge, sem dúvida alguma, o objetivo a que se propõe:

“o verdadeiro objetivo da minha vida talvez seja apenas este: que meu corpo, minhas sensações e meus pensamentos se tornem escrita, isto é, algo inteligível e geral, minha existência completamente dissolvida na cabeça e na vida dos outros.”

Sendo "O Acontecimento" uma história autobiográfica, ela escreve na primeira pessoa, analisando algo que lhe aconteceu quarenta anos antes e que a marcou profundamente. Recorrendo a anotações feitas na altura, ela consegue relatar o dito acontecimento, com relativo pormenor. Os entraves, as dificuldades, os contactos que teve, as frustrações, etc. Depois interpreta-o à luz da atualidade em comparação com as ideologias e leis da época. À medida que escreve ela autoanalisa-se, e leva-nos a acompanhá-la nessas análises, acontecendo amiúde que o sujeito se altere, e sentimos que somos nós que estamos a analisar.

É um relato incrível, uma crítica profunda à sociedade e às leis que a regem, que apesar de terem evoluído alguma coisa, continuam a "castigar" as mulheres que apenas querem ser donas do seu destino.

Adorei esta leitura. Annie Ernaux vai ser uma autora a quem espero regressar em breve.

“Se eu tivesse uma definição para a escrita, seria esta: descobrir, ao escrever, o que é impossível de descobrir por qualquer outro meio, fala, viagem, espetáculo etc. Nem pela reflexão por si só. Descobrir alguma coisa que não existe antes da escrita. Aí que está a fruição — e o terror — da escrita, não saber o que ela faz aparecer, acontecer.”


Podem espreitar a sinopse do livro e outros detalhes no site da Wook.

Em www.bertrand.pt

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