"A Dádiva" de Toni Morrison

Sinopse:
Da autoria da primeira mulher negra a ser distinguida com o Prémio Nobel da Literatura (1993), A Dádiva é um romance extraordinário que se passa na América do Norte de finais do século XVII. Profundas divisões sociais e religiosas, opressões e preconceitos exacerbados propiciam o cenário ideal para a implantação da escravatura e do ódio racial. Jacob Vaark é um comerciante anglo-holandês que apesar de se manter à parte do negócio dos escravos, que então dá os primeiros passos, acaba por aceitar uma menina negra, Florens, como pagamento de uma dívida de um fazendeiro de Maryland. Nesta parábola do nascimento traumático dos Estados Unidos, Morrison revela-nos o que se esconde sob a superfície de qualquer tipo de sujeição, incluindo a da paixão, e o quanto essa falta de liberdade é nociva para a alma.

A minha opinião:
Existem livros que gosto de comparar com uma janela aberta.
Às vezes, sinto-me como se estivesse debruçada da ampla janela de um 1º andar, olhando para baixo e vendo a acção desenrolar-se.
Ler este livro foi um pouco assim.
No entanto, ao invés da vista desempedida da ampla janela de 1º andar, foi como se eu estivesse frente a uma grande janela de rés do chão, aberta sim, mas levemente tapada por uns longos cortinados brancos de musselina, que ondulando iam transformando a minha visão ao sabor do vento que entrava.
Não foi uma leitura fácil, mas foi uma leitura deliciosa.
A autora alterna entre a narração de uma história contada na terceira pessoa, e uma "carta" escrita na primeira pessoa, onde encontramos laivos de uma certa esquizofrenia que contribui para o misticismo da história, tornando-a sem dúvida, ainda mais preciosa.
Gostei.

«Dentro de mim estou a mirrar. Subo o leito do regato sob as árvores vigilantes e sei que não sou a mesma. Perco alguma coisa a cada passo que dou. Sinto o esgotamento. Está a abandonar-me alguma coisa preciosa. Eu sou uma coisa à parte. Com a carta pertenço e sou válida, legítima. Sem ela sou um bezerrinho fraco abandonado pela manada, um servo sem os sinais característicos mas com uma escuridão com a qual nasci, exterior, emplumada e com dentes salientes. É isso que a minha mãe sabe? Porque me escolheu para viver sem mim? Não é a escuridão exterior que partilhamos, a minha mãe e eu, mas a interior que não partilhamos. É este morrer apenas meu? É a coisa com garras e penas a única vida em mim? Diz-me. Também tens o escuro exterior e quando te vejo e caio em ti sei que estou viva. De súbito, não é como antes, quando estou sempre com medo. Agora não tenho medo de nada. A partida do Sol deixa atrás escuridão e o escuro é eu. É nós. É a minha casa.»

P.S. Adorei a capa! Acho que as capas são muito importantes para ajudarem o leitor a entrar na história e esta desempenhou esse papel na perfeição.

Obrigada querida Betita por mais esta oportunidade!
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